UMA HOMENAGEM A ESCRITORA CEARENSE CARMÉLIA ARAGÃO


Um PEQUENO Livro de Muitos Valores!




“Eu Vou Esquecer você em Paris”, tem sido ultimamente um dos melhores livros da atualidade que tenho lido. A estrutura dos textos me surpreende pelo tamanho e pela qualidade sentimental e física, as palavras me encantam, pois os diversos contos me trazem sentimentos que acordam o meu inconsciente e me mostram aquilo que estranho. Os personagens, quase sempre femininas e urbanas, me colocam numa posição de confidente e me revelam seus mais profundos segredos, e são esses personagens que me levam a uma viagem de alternância entre a realidade e a ilusão. Pulsos Intactos me deixou sem voz quando acabei de lê-lo. A confissão, o desabafo, os pensamentos, as idéias, a personagem central me puxa pela manga da camisa e me joga dentro de sua cabeça, lá dentro ela me senta numa cadeira, no meio do nada, e me fala tudo o que tem pra falar. Os sentimentos são postos nas palavras, as vírgulas e os pontos nos dão a pista da respiração, da pausa pensativa, da hesitação... há meio que uma cumplicidade minha com a personagem, uma conversa de “vizinhas” que me seduz a ouvi-la.
Na maioria dos contos há sempre uma visão interior sobre as situações que cercam as personagens, há sempre uma questão implícita que amarra o leitor e o força a querer olhar os personagens cara a cara e perguntar-lhe, você fez isso, ou aquilo? Você fez mesmo isso? Isso aconteceu de verdade? No meio desses personagens, desses implícitos e dessas situações, há sempre uma denúncia ou uma exposição de algum EU dos personagens (ou será da própria Carmélia?). Dentro desses mundos criados pelas leituras e pela genialidade da própria escritora, vemos o medo, a alegria, a denúncia do social, a hipocrisia, a mediocridade e muitos outros assuntos relevantes a sociedade, sendo expostos de uma maneira tão ilustrativa e fantástica ao mesmo tempo que não chega a ficar muito diferente do que vivemos hoje. Em Crônica do 2º Andar temos uma ótima ilustração da vida dos moradores de apartamentos, há uma exposição dos sentimentos e da maneira de viver dessas pessoas. A indiferença, o egoísmo, a solidão, todos os atributos que encontramos hoje nas paredes gélidas dos apartamentos nos são tragadas através das letras que nos acompanham no decorrer do relato. Gostei em especial do conto Eu Vou Esquecer Você em Paris . o último conto do livro, que dá título ao mesmo, é aparentemente engraçado, mas ao lermos o relato e nos depararmos com a situação, vemos um caso muito comum de descaso com uma pessoa mais velha. No conto, narrado por uma filha que fora obrigada desde sempre morar e cuidar da mãe. Ela narra todo o seu sofrimento causado pelo irmão, de tudo o que ele as fez passarem, ela e sua mãe, afirmando que ela é que tem que cuidar da velhinha. Fala de seu egoísmo, de sua perversidade e além de tudo fala de seus desejos ardentes por uma mala cheia de jóias. Então ela arma um plano. Compra passagens e viajam os três para Paris, ela, sua mãe e a mala com as jóias dentro. Acontece um episódio na viagem onde ficamos com sérias dúvidas sobre os sentimentos da filha com relação a mãe e a mala. Acontece que a filha a esquece em Paris. Esse, não sei se foi o ponto chave a ser explorado pela escritora, mas com certeza não passará despercebido por qualquer leitor. Que ficara em Paris? A resposta é muito simples... no meio de tantos personagens com uma desestruturação próprias, mas que semelhantes ao mesmo tempo em questão de sentimentos, de pessoas solitárias mas com pensamentos que muitas vezes fogem a realidade, de pessoas sofridas pela ações da vida, mas que as vezes tomam ações dignas de fantásticas estrategistas, encontraremos uma resposta simples a esse caso. A mala ou a mãe? Se você ler Carmélia Aragão e começar a traçar o perfil de suas personagens e encontrar o que há de mais brilhante na escrita de Carmélia, com certeza você estará pronto a receber o tesouro que ficara em Paris.
“... como se eu o esquecesse para sempre em Paris.”

Cosme Alves
Graduando em Letras/Português pela UECE
Agentes de Leitura de Itapiúna
http://blogcosme.blogspot.com




Conto: Eu Vou Lembrar de Você em Paris


Titia vivia sonhando em passar sua lua de mel em Paris. Não Passou de sonho a lua e a viagem. Também pudera, seu humor variava de acordo com as horas. Eu teria, de fato, uma noite de núpcias autêntica, com direito a champanha e ser carregada nos braços para o quarto. Não era em Paris, nem tão menos em Viena, mas teria a lua de mel que titia nunca teve. Não levarei meus gatos. Irei sozinha. Curtirei meu casamento ao máximo. Uma noite estava sentada na varanda com meu noivo do lado, recebendo a brisa da praia, quando titia nos perguntou onde iríamos passar a lua de mel, grosseiramente respondi, na terra do nunca ou no país das maravilhas. Ela percebeu o quanto sua pergunta nos ofendeu. Ressentida, ofereceu de presente de casamento, uma viagem com tudo pago a Paris. Eu quis recusar, mas meu noivo não deixou fazer essa desfeita com a minha madrinha de casamento. O dia da cerimônia chegou, todos os convidados compareceram, com exceção da titia. Minha ira só aumentou para com ela. Eu me vingaria. Ofereci a posição de madrinha em retribuição ao presente. Dada as bênçãos pelo padre, fomos direto para o aeroporto. Na sala de espera jurei para mim mesmo que não lembraria dela em instante algum. Chegamos ao hotel, subimos direto para o quarto reservado para nós. Abateu-me um arrependimento que não tive ânimo para sair naquele resto de dia. A fisionomia da velha não me liberava o pensamento. Fazia esforço para esquecê-la. Inútil. Sua presença no quarto era cada vez mais marcante. Ela vivia em mim o desejo de passar a lua de mel em Paris. Passei a semana inteira trancada no quarto. Rezava para o dia da partida não demorar. Mas chegou o dia do retorno. Sua voz resistia em me acompanhar naquele tchau, dê lembranças ao nosso povo. Meu irmão me esperava na área de desembarque. Admirou-se por me encontrar solitária. Minha expressão denunciava o acontecido. Não perguntou por titia, nem pelo ex-noivo. Sem mim, a velha teria sua tão sonhada lua de mel.


Rêmulo Melo
( Graduando em Letras/Português pela UECE)
http://remulomelo.blogspot.com








conto: NEM MAIS UMA LEMBRANÇA
Uma resposta a escritora.

Não me doía nada deixa-la. As vezes ara muito chata, com aquela sua mania de perfeição, sabe, as vezes um homem quer uma amiga do lado, uma mulher para lhe dar prazer de verdade e não uma segunda mãe, ainda mais histérica. Isso ia acontecendo a medida que nosso relacionamento se tornava mais duradouro, eu fora o quinto marido dela, mais parecia um carma. Ela não sustentava maridos.
Meu amor nascera muito forte, mina amizade era sempre presente, ainda hoje a lembro, mas desprezo as suas manias de limpeza e as suas inúmeras fobias. Pelo amor de deus quem tem medo da própria sombra? E desde quando Onfalofobia seria uma desculpa para não andar na praia? As coisas se complicavam a cada dia. Se complicaram a tal ponto, que me preparei para o dia fatal. Não pense caro leitor, que eu não a amava, era exatamente por isso que eu havia decidido abandoná-la. Talvez se ela ficasse um pouco sozinha, caísse na real, pois a situação estava ficando séria, e os vultos que ela via, as dores de cabeça causadas pelos alunos e pelo trânsito, e a constante procura por editoras, passaram a me assustar de verdade. Pensei muito em como resolveria a situação sem que a machucasse mais ainda, e sem que meu amor por ela fosse alterado.
Então decidi abandona-la!
Não abandoná-la em paris ou coisa do tipo, pensei em abandoná-la em sua própria casa, com seus inúmeros espelhos e com fotos de nosso casamento espalhadas por toda a sala, pelo corredor e umas até no banheiro. Eu tinha que tomar uma atitude, também queria ser feliz, também queria continuar com meus “pulsos intactos” e meu coração preservado.
Foi o que eu fiz.
Em uma noite de domingo, enquanto ela estava no banho, que já passava das três horas, eu aproveitei. Espalhei todas as nossas fotos de casamento, no corredor, na sal, na cozinha e também na porta do banheiro. Peguei minhas malas, que já me esperavam prontas a dois dias embaixo da cama, desci as escadas e me mandei. Como dizem, fui comprar cigarro e jamais voltei. Deixei para trás as lembranças das provas de alunos que não eram meus, de fobias que não eram minhas, de correr atrás de editoras que não se interessavam por nenhum livro que também não eram meus, de visões que eu não via. Deixava para trás um universo paralelo.
Embora deixava para trás o amor de minha vida.
E hoje não me arrependo.
Faz dois anos que não a vejo, constitui outra família, não como a de antes, mas pelo menos, o meu coração ama, quem me retribui a esse amor. Soube notícias suas, está bem, com as mesmas manias.
Meu coração não palpita mais ao ouvir seu nome, meu coração já não teme mais surtar a qualquer momento e das correções de provas, das muitas pílulas coloridas, das visões e de tudo o que lhe fazia mal, não resta nem mais uma lembrança.




Cosme Alves
Graduando em Letras/Português pela UECE
Agentes de Leitura de Itapiúna
http://blogcosme.blogspot.com